Dançou balé em minhas lágrimas
A nobre tartaruga marinha.
Escritor e jornalista, Petrônio mantém uma coluna semanal sobre política e cultura em mais de 40 jornais Brasil afora. Tem três livros publicados, sendo um de contos e dois de poemas. Em 2005 ganhou o Prêmio Nacional de Literatura "Vivaldi Moreira", da Academia Mineira de Letras, como segundo colocado.

Os ferros pesados
Prendem o corpo cansado
Com pregos enferrujados pelo tempo.
Vai ser difícil romper a aurora
Levando este corpo torto,
Em frangalhos,
Com os pés descalços,
Sem chinelos.
Vai ser difícil conduzir este peso morto
Até a eternidade.
No entanto,
Banho na belaidade
O coração pequenino,
Que nunca deixou de ser menino,
Buscando apenas um trago de primavera
No canteiro dos sonhos eternos.
Nasce na Serra do Espinhaço,
As contas de minha costela...
Mineral e ancestral,
Com o brilho do ouro
Em cheiro de macelas.
Minha história não é rompante.
É a mansidão no desejo de buscar e encontrar,
De separar e lapidar,
De dar um brilho claro
Ao que era raro
E estava esquecido,
Escondido,
Na inutilidade de ser e de existir.
Eu busco o fundo.
O que se traz por dentro,
Depois do véu do pensamento.
Ela disse que era paisagem,
Apontou o dedo
E desfraldou a cidade.
Esquinas em iguarias
Além do surdo som das buzinas,
O ar impregnado de tristezas e saudades;
Vícios e vontades...
No alto do edifício,
Lá onde a vista não alcança
E a luz do vento se faz sol que balança,
Apenas uma flor desabrochou
Na fresta do concreto armado.
Desarmado,
O tempo pousou na janela da primavera
Querendo ser o instante também amado,
Inesperado...
Passou...
A poesia chegou e ninguém notou,
Faltou tempo,
E os passos apressados, repetidos, solitários, calados e cansados,
Compuseram a valsa do desencanto,
Essa que o silêncio toca todos os dias,
Quando em uma louca correria,
Dançamos o inexplicável balé da vida...
O ano começou de horta nova. Couve, cebola, alface, todos germinados. Alguém pensou em espantalho: palavra mágica!.. saímos nós pelo terreiro.
Do galho da castanheira fizemos o corpo, braço e pescoço. No coco, a sobrancelha pintada.
Vô, da cozinha, observava. Nós ali o dia inteiro, festeiro. Nascia o espantalho.
Vô se aproximou com um chapéu furado e um paletó apertado. O espantalho feliz que só.
Ficou tão lindo que o sabiá em seu braço o canto ensaiava.
Depois de dias idos, descobrimos pela fresta do chapéu um ninho de pombinha com dois ovinhos... felicidade danada.
A vida é assim: quando tem sentimento, até o que assusta aproxima.
Dizia sentir o cheiro das estações. Afirmava que as flores, quando desabrocham, explodem em um barulho ensurdecedor. Por isso, sempre o via andando pelas ruas com os dedos tampando os ouvidos. Das explosões das flores, me disse ser a dos ipês a mais suave. Adorava ficar ouvindo os ipês se vestindo em explosiva beleza. Ria, ria, horas repetidas, sozinho, sentado nas esquinas tristes da vida. Agora, bem no alto da serra, floriu, agarrada em alguma árvore, uma bela orquídea; me contou. Um dia, se declarou enfeitiçado pela pintura de um lago que o consultório médico trazia. Sempre era retirado de lá, da forma mais agressiva. Ficava por horas namorando a oleosa paisagem. Já era o fim da tarde quando ninguém na recepção ficou. Ele entrou de mansinho e na pintura se banhou, mergulhou com os peixes, nadou com as aves e foi feliz. Quando voltou, estava molhado em primavera. Para os que o olhavam espantados, ele deu apenas um sorriso, desses que não conseguem esconder a felicidade, e se foi, caminhando, lentamente, até que a noite chegou, a luz esfriou e o sonho apagou...
Borboletas,
Guardei em minha gaveta,
Cheia de manhãs e ventania.
Quando faltava poesia,
A abria,
E um novo dia nascia no canteiro
Que fazia inteiro em minha cama.
Assim os dias eram lindos,
Com canto de pássaros
Nas flores bordadas nos retalhos da colcha de sonhos e pensamentos.
O meu quarto era,
Na verdade,
Porto poesia;
E minha vida,
Renovada magia.
A ela, por ela, para ela e com ela
Um dia li pichado em um muro do tempo, os versos que não se perdem mais: “Deus fez primeiro o homem e depois a mulher, porque antes de uma grande obra, se faz um rascunho qualquer”.
Os homens a procuram, muitos se perdem por ela, outros tantos se descobrem ao seu lado e para bem poucos ela se revela. Ah, nunca se perca de mim... Caminhe sempre ao meu lado, desse lado ensolarado que achei para namorar...
Cigana, mãe, diva, musa, santa, mártir ou donzela, está em tudo e tanto, acima e dentro de cada um de nós. Ouço seu sofrido canto na hora do parto sentindo a dor futura do novo rebento. Já menina, brinca de casinha. Tem a nobreza de ser entrega e resignação.
Triste como um girassol em dia nublado, deu ao universo o seu maior bocado, trino, uno, múltiplo e indivisível. Quanto do seu amor é perdão que Deus, toda noite, sopra-lhe o coração. O principio de todos os mistérios, a ligação do invisível elo. Derramo em meus versos todas as minhas lágrimas, essas que estão aqui separadas, represadas, que se evaporam, perdidas no tempo sem um afago seu. Sou nada, vivo a seguir sua pegada.
Sua fenda é o principio do tempo, o portal da história. Só as mães são felizes, sua alma precisa de cicatrizes...
Ah, quantas tardes amanheci com os cabelos negros da noite caindo sobre meus ombros. Outras, me trazia poemas em balaios de flores, doces e amores. Era a divindade encarnada segurando a mão namorada. Como te amo, e nem sei quanto o tanto que vivo por ti.
Mulher, início e fim de todos os impérios, fonte original das grandes obras da Humanidade. Ao redor de seu pequeno ponto, gira o mundo. Sem ti, a palavra seria nada, poesia apagada, sentimento negado, dor impensada. Sem ti, haveria paisagem, mas não haveria poesia.
Ao seu lado aprendi a ver não o reto, mas a amplitude do caminho. Foi ao seu ombro que chorei quando seu dedo me descortinou a paisagem. Era bem menino.
Parafraseado o poeta: de dia fico admirado seguindo os passos delas. À noite fico acordado pensando nelas, depois durmo para sonhar com elas. Fez-me ver o todo quando enxergava o nada. Abriu-me a porta que sempre me pareceu fechada. Fez-me menino, homem, e até um tolo que acredita em versos. Como é bom poder desfrutar os seus mistérios.
Muito poderia se dizer de ti, mulher. Mas todo o universo se cala diante de seu dom de reinventar o mundo. De dar aos homens os sentimentos mais profundos. De, com uma lágrima, parar o tempo. Muito se poderia escrever, mas nada, nada, poderia descrever a sublime razão de ser: Mulher!
Prefiro o mistério,
O mantra surdo dos monastérios.
Vivo o indefinido.
Deus me dá tudo o que preciso.
Sou livre,
Por isso tenho cheiro de estrelas,
E esse gosto de primavera
Que deságua em minha janela
Com pôr-do-sol molhado em cravo e canela.
Sou do mundo,
Singro os mares do tempo
Em pequeno barco à vela,
Pois a eternidade,
Me espera...
Farol de Santa Marta,
Nunca o vi,
No entanto está aqui,
Me apontando o caminho,
Orientando a viagem,
Iluminando a paisagem...
Busco-te,
Como quem busca a paz,
Encontrar o que ainda não foi revelado...
Tenho saudade de ti,
De tudo o que não vivi.
E no entanto
Está aqui,
Vivo em minhas mais singelas lembranças,
Fazendo-me os olhos marejados em esperança...
Agora,
Ficará no canto de minha memória,
Iluminando a noite sem lua,
Sem pensamento,
A travessia dos mares dos tormentos,
Que,
Ao facho de sua luz,
Me dará os braços do Pai,
O além,
A santidade da paz iluminada,
A beleza revelada...